Os melhores anos da minha vida

Os melhores anos da minha vida
passaram comigo ausente, passaram
numa corrente subterrânea.
Não me apercebi de nada, distraído
com a queda das folhas,
a densa mistura de pão e desordem. 

Estava tudo em aberto, mas eu não sabia
senão de pequenas querelas,
e tímidos passos à toa, sempre à espera
de não ter futuro. Sentado, como um pobre,
sobre o poço de petróleo,
eu media com tesouras as semanas, 
misturava-me com livros, ansiava
pelo dia em que deixasse de sangrar. 

Os melhores anos da minha vida troquei-os
por isto. 

 

José Miguel Silva,
"Vista para um pátio" seguido de "Desordem"
Relógio D'Água