É urgente o amor.


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
— Eugénio de Andrade

 

      Caminhávamos lado a lado, junto ao mar. A manhã estava muito fria e levávamos as mãos nos bolsos, enquanto conversávamos. Quem nos visse de longe diria que éramos um casal, não pelos corações - revoltos, como o mar, naquele dia -, mas pela forma como nos olhávamos, como os corpos se tocavam inconscientemente e como nos ríamos. Principalmente isso: como nos ríamos debaixo da chuva.

      Um olhar mais atento talvez escrevesse sobre nós, poderia dizer que nos havíamos apaixonado há 5 anos atrás, ou que celebrávamos um primeiro ano de vida conjunta. Ou poderia ir mais fundo e ler-nos os olhos: descobrir que éramos urgência. Poderia escrever para nós a história que não fomos capazes de proclamar - e ficamos tão bem, lado a lado - poderia ver mais do que aquilo que dizemos um ao outro, ou poderia ler-nos o silêncio e descobrir que nos encontráramos pela primeira vez, que o coração se estilhaçava na incerteza de um reencontro e que nos entregámos na urgência de quem não pode permanecer.