Learning by Heart

My heart born naked
was swaddled in lullabies.
Later alone it wore
poems for clothes.
Like a shirt
I carried on my back
the poetry I had read.

So I lived for half a century
until wordlessly we met.

From my shirt on the back of the chair
I learn tonight
how many years
of learning by heart
I waited for you.

John Berger
(5/11/26 - 2/1/17)

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O meu coração nasceu nu,
logo em fraldas embalado.
Só mais tarde usou
poemas em vez de roupas.
Tal como a camisa que punha
levava sobre o corpo
a poesia que lera.

Vivi meio século assim
até que, sem uma palavra, nos encontrámos.

A minha camisa nas costas da cadeira
diz-me que hoje percebi
quantos anos
a decorar poemas
esperei por ti.

John Berger,
"E os nossos rostos, meu amor, fugazes como fotografias"
quasi, 2008

trad. Helder Moura Pereira

Abri o coração como nunca.

Abri o coração como nunca
tinha aberto, duvido até que seja
o mesmo coração, a operação,
que a outra pessoa vê, é uma
espécie de transfusão. Coração
aceite em recíproca função
e em expressão válida, com muito
significado? Pelo menos parece.
No fundo da língua de areia
já se avista um chapéu e um andar,
batem os pés à medida do encontro
e parecem-se tanto com o bater
do coração. Para o mal e para o bem, 
para o que der e vier, pões-me
a tensão muito alta felizmente.


Helder Moura Pereira
Pela Parte Que Me Toca,
Assírio & Alvim

'faz de mim o que quiseres, dobra o cabo dos trabalhos e atira-te de cabeça'


Eras mesmo a fonte de tudo, pelo menos
naquele dia a que chamámos perfeito.
Os dias tinham-se entranhado nos dias,
a tal ponto que a vida era só dias, dias
a seguir uns aos outros. Apenas dias.
De olhos vendados e sem bater numa única
parede, pegados a isto, ao cheiro reconhecido
só quando um dos corpos se afasta.
Sente-se a falta, eu farejo como um cão
e depois sento-me triste a um canto
com um livro na mão. Mas naquele dia
que ambos classificámos de perfeito
eu pude ver a vida ali desdobrada em duas
à minha frente. E a tua inocência poderosa
a dizer-me uma vez sem exemplo faz
de mim o que quiseres, dobra o cabo
dos trabalhos e atira-te de cabeça.

Helder Moura Pereira
via blogue poesia


I'm so glad we did it...