Como peças de um puzzle.

Ontem, enquanto trocava mensagens com um amigo - que não abraço há mais de 10 anos -, dei por mim a pensar: “quanto dos outros são ecos em nós?"

Sempre que se dá um encontro, há uma partilha. Nunca saímos dos braços de alguém como entrámos.

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Dele, trouxe um amplo conhecimento em séries e livros de ficção científica. Trouxe o Enki Bilal, uma mão cheia de artistas que nunca ouvira, a memória de um nariz franzido e os seus abraços apertados. Não nos vemos há 10 anos, mas quase podia jurar que foi ontem, porque consigo resgatar em mim cada pedaço que ele deixou.

Somos todos o puzzle e as peças de outros. Não ando só, carrego em mim todos quanto cruzei e todos cuja vida permanece em mim, por linhagem. A vida acontece, partimos ou ficamos, mas pelo meio a certeza de que somos a soma de quem connosco se cruzou.

Em jeito de gatilho de escrita, diz-me, “quanto de outros são ecos em ti?”

No amor só se entra descalço

É difícil escrever sobre o amor quando o prendemos a um rosto, é difícil porque amar nos confronta com a nossa própria mortalidade. Queremos ter tempo para viver o amor e o tempo escorre-se-nos pelos dedos.

É difícil escrever sobre o amor porque temos vergonha de mostrar ao mundo o amor lamechas, o amor fofinho, o amor vulnerável que dá o coração às balas sem nunca perder o sorriso tonto.

O Manuel António Pina escreveu um poema cujo verso final me ficou gravado, talvez o eternize na pele, um dia, como lembrete de que no amor só se entra descalço.

”entro no amor como em casa”
(este é o teu gatilho de escrita, abensonhado*)

(as participações podem ser, ou não, partilhadas, públicas ou anónimas, ditas ou escritas, o teu coração o saberá, dá-lhe a palavra)

*expressão adoptada do inspirador Mia Couto, junção das palavras “abençoado” + “sonhado”, que são vocês.

Escrevo para (me) entender o mundo.

Escrevo para (me) entender o mundo.

É fuga, terapia e abraço.

Escrevo porque sinto raiva, porque o tempo escapa e porque preciso de o agarrar. Por amor, de loucura e de saudade. Escrevo porque a cafeteira italiana estava tão bonita, ao lume, que o meu coração não aguentou. Ou porque a lembrança do teu gesto na barba me entrou de rompante escancarando a porta entreaberta. Escrevo porque a vida é demasiado e porque não tenho outra forma de dizer "estou presente" sempre que a luz da manhã enche o quarto.
Hoje abri as janelas e a rua cheirava a mar, quis escrever sobre isto mas percebi que, para mim, tudo já estava dito. Ainda assim, serviu me de pretexto para vos falar de tudo isto que é a escrita para mim. E isto é bonito porque sei que para qualquer outra pessoa, esta mesma frase, será um "gatilho" diferente.

Recebi muitas respostas interessantes sobre isto da escrita e de se manter com foco, e alimento criativo, um blogue. Também fiquei a conhecer projectos incríveis que me inspiraram muito e me fizeram sonhar. Obrigada!

Então hoje, se leste tudo isto até aqui, proponho-te um desafio que poderás - ou não - partilhar (de forma privada) comigo. O caminho é pelo coração. Que estas palavras te sejam gatilho: "Hoje abri as janelas e a rua cheirava a mar"

(post original para instagram)