Bolha.

O meu irmão voou ontem, em trabalho, para África. É a primeira vez que estamos tão longe. É a primeira vez que estaremos longe durante tanto tempo.

Crescemos colados um ao outro. E quando o nosso mundo se estendeu por caminhos a percorrer, e as casas que habitámos se tornaram cada vez mais pequenas, e os nossos braços se esticaram para albergar outras almas, encontrámos sempre caminho e tempo de um para o outro… muitas vezes para não dizer nada, outras tantas apenas para existir juntos e gargalhar disso. O meu irmão é a minha bússola.

Enquanto o meu irmão partia nesta aventura que nos mudará a todos, o nosso tio-avô, Renato primeiro da família Espada, partia para o outro mundo.

Escrevo com as lágrimas embargadas no peito, saem em ondas, escrevo para processar tudo isto que se revolve dentro. Quando se nos parte alguém querido é inevitável questionarmo-nos sobre o que poderíamos ter feito diferente, a morte não é sobre nós, é sobre quem parte, mas é como se nos colocasse numa bolha, acima do tempo e espaço que ocupamos nesta vida.

Aqui estou, lá em baixo vejo-me no corre corre do dia a dia. Fechada num escritório a meia luz para aguentar o calor. Mal vi o gato que me miava por atenção, já me esqueci do almoço outra vez. O André chegou a casa e eu perdi o dia inteiro agarrada a um ecrã. O dia a seguir será igual. Pelo meio da semana algum amigo me vai chamar a atenção que não nos vemos há imenso tempo - dou-me conta que regressei em Janeiro e ainda não consegui estar com toda a gente - faço um esforço e fixo um dia e uma hora. Sei que vou querer fugir, e as desculpas serão sempre as mesmas: preciso de estar em frente a este ecrã. Passou mais uma semana, mas consegui ir comer um gelado, abraçar amigos. Também consegui umas duas horas junto ao mar. Tive uma semana boa, penso ao deitar-me. Mas pelo meio ficaram perdidas as aulas de dança, o telefonema para saber das avós, dos tios, dos primos, a caminhada matinal que prometi a mim mesma. O tempo para brincar com os gatos e para decorar a casa nova que ficou perdida em planos. As plantas com as folhas enrugadas que eu ainda ontem - podia jurar - reguei - passaram 15 dias desde a última rega. E depois o mundo abana, sabemos o que está errado e tentamos remendar, recuperar, juntamos os amigos e a família, porque tudo está prestes a mudar, a ruir…. mas já mudou, já ruiu, e mais breve do que imaginaríamos sentimos o pé a fugir para o caminho conhecido. Quando damos conta, já se passaram 3 meses desde a última vez que viste as tuas pessoas sem ser num ecrã.

Online não é presença, digo de dentro da bolha, tomara que aquela que vos escreve ouça a mensagem. E, se a carapuça servir, levem-na convosco.

Que se f*da a psicologia barata, o mundo está quebrado e enquanto vivermos nesta roda de hamster estaremos todos mais longe uns dos outros. É preciso Fazer, Fazer! Anunciam. É preciso dinheiro para que a roda não páre nunca. Fazer, Fazer! Mas não te esqueças da casa, do marido, dos filhos! Que vergonha essa roupa enrugada! Que vergonha essa cama por fazer! Fazer, fazer! Sorri, tapa essas olheiras, engole esse choro, a vida é tão bonita! Fazer, Fazer, não há tempo a perder! Não há tempo de cheirares essas flores, procura antes saber sobre elas na internet, imagina-lhes o cheiro, pronto, já chega, é só um vislumbre! Tapa essa fenda no chão com areia, não há tempo para remendos a sério. Sim, vai abrir de novo, sim, eu sei que estás sozinho, mas assim como assim, quando estiverem perto, não se reconhecerão. Acena só! Sim, assim de longe! E sorri! Não te esqueças de sorrir!

É. Cada um de nós uma galáxia inteira, tanto dentro e apenas uma estrelinha para quem nos cruza caminho… mas de longe, e só um brilhozinho!