Tu também mereces.

Estou a aprender a cuidar de mim. Estou a aprender a olhar-me. E isto ainda implica muita disciplina e presença, porque é mais fácil voltar aos padrões antigos, à caixinha desconfortável mas conhecida.

É tão fácil esquecer-mo-nos de nós. Porque o trabalho, porque o tempo, porque os filhos, porque os gatos, porque a prima… eu sempre tive as desculpas todas e nunca me preocupei em mergulhar fundo e encontrar as causas. No fundo, era óbvio: eu não merecia cuidados.

”isto está a correr tão bem… de certeza que vai descambar”
”eu vou participar, mas é claro que não vou ganhar”
”gosto tanto dele, mas ele nunca vai olhar para mim”

Arranjar o cabelo e sentir-me envergonhada na rua, pintar as unhas e esconder as mãos nos bolsos, usar o batom vermelho mas medir bem os sítios onde, se te revês nalguma destas frases, tenho isto para te dizer:

Tu mereces ser feliz, e se tudo está a correr bem, aproveita cada segundo da viagem e vive-o.

Tu mereces ganhar, pára de te boicotar.

O que os outros sentem ou pensam em relação a ti é deles e não teu, e a maioria das vezes não corresponde àquilo que fabricaste na tua cabeça. Acredita, somos mais cruéis em relação a nós próprios do que os outros. Foca-te em ti.

Arranja o cabelo, pinta as unhas, usa o batom vermelho, é permitido sentirmo-nos bonitas (eu sei, pode ser uma revelação forte, podes parar para respirar se precisares).

Uma rotina de auto-cuidado não é fazer aquilo que vemos 30.000 mulheres fazer no Instagram e fazê-lo só porque não queremos ser a pessoa que não o faz, mas é encontrar no nosso dia-a-dia aquele momento em que estamos apenas connosco e respirar fundo, largar as merdas.

Estou numa viagem de regresso à Mulher que um dia rejeitei. Àquela que durante muito tempo não cuidei, àquela que não foi merecedora do meu mimo, do meu amor. Reencontrar a Cláudia, conhecer a Bárbara e a Dina foi muito importante neste processo. Durante muito tempo descurei ajuda, “não merecia”, mas o desespero às vezes leva-nos à rendição, e eu rendi-me ao que me estava a acontecer. E foi quando abri o peito e me permiti a aceitar o que viesse, que elas entraram de rompante na minha vida. A Cláudia desfez os nós na minha cabeça e mostrou-me que cuidar de mim é diário, e que pode ser simples. A Dina mergulhou comigo, e mostrou-me que a Mulher que eu rejeitei, ainda esperava por mim. E a Bárbara ensina-me sobre a ciclicidade do meu ser, sobre isto de ser Mulher.

São muitas as razões que nos levam a rejeitar esta Mulher, e durante muito tempo o recalquei, mas estou pronta para ser livre, para largar os pesos.

No 7º ano fui apalpada pelos rapazes da minha turma, não era a única, muitas colegas de turma o foram. E tinha vergonha, vergonha de fazer queixa. Escrevia no meu diário e rasgava as páginas, e isso fez com que nem no meu diário, espaço seguro, eu me permitisse ser eu.

Um dia, enquanto esperava pelo autocarro da escola, um homem numa carrinha de caixa aberta abriu a janela esticou dois dedos e lambeu o espaço entre eles. Eu era tão miúda que não sabia o que significava, mas senti-me suja e envergonhada.

Fui apalpada numa multidão (e sinto vergonha de o dizer porque, afinal, quantas de nós não o foram?)

Ser dread e usar roupa larga foi o melhor que a adolescência me trouxe. As curvas escondidas não davam aso a comentários desagradáveis na rua. Eu ia a pé para a escola todos os dias, e protegia-me.

Um dia, num autocarro, um homem apertou a minha perna, por baixo de toda a tralha que trazia em cima, e foi tão subtil que eu própria duvidei se estava a acontecer ou não. Demorei-me a ir para casa porque não queria que me vissem chorar, soube mais tarde que a técnica tem nome.

Há dois anos atrás, aqui em Sines, estava na praia da Costa do Norte a ler um livro quando sinto uma sombra a poucos metros à frente. Era primavera, e eu estava vestida, de collants e tudo. Levantei os olhos do livro e, à minha frente, um homem pela minha idade, tocava-se enquanto me via ler. Voltei a focar-me no livro e ele achou por bem passar mesmo a meu lado e murmurar qualquer coisa, que, com os nervos, nem distingui. Tornou a passar para a minha frente de pila na mão. Quis fugir mas tive medo que me seguisse, então enfiei-me o mais que pude atrás do meu livro e tentei ignorá-lo. Acabou por se afastar, eu não li nada, fui olhando pelo canto do olho para ver onde se dirigia e agarrei em tudo e corri para o carro. Já no carro, vi-o a subir e colocar-se numa mota. Arranquei e parei o carro mais à frente, o mais escondido que consegui. Ele passou. E eu reconheci-o. Era meu amigo de facebook, pessoa que aceitei por ser amigo de amigos meus. Apaguei o meu facebook.

Não temos de nos sujeitar isto, mas estamos sujeitas a isto, porque somos mulheres, porque não somos livres.

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Eu rejeitei a Mulher em mim porque não queria passar por isto, odiei o meu corpo, quis ser homem, quis ser livre, e só hoje entendo isto, só hoje tenho palavras e lágrimas para curar isto.

Por favor, fala. Chora. Tira isso de ti. Se não tens com quem falar, fala comigo. Não recalques, não te julgues, a culpa não é tua. A CULPA NÃO É TUA!


Ia escrever-vos sobre o banho incrível que me permiti tomar ontem, numa banheira cheia, com sal, calêndula, alecrim e lavanda - ritual do mês de Março da nossa comunidade querida -, mas acabei por contar-vos o que me impediu durante tanto tempo de ter momentos destes só comigo, e sentir verdadeiramente que os merecia.

Tu também mereces.

Num dia de Sol uma Borboleta

 
If I can stop one heart from breaking,
I shall not live in vain;
If I can ease one life the aching,
Or cool one pain,
Or help one fainting robin
Unto his nest again,
I shall not live in vain.
— Emily Dickinson

Tenho uma confissão para vos fazer: estive quase para apagar este blogue. É verdade, senti que não tinha cumprido o seu propósito inicial e, por isso, não havia razão para o manter aberto.

Quando iniciei a Assistência Virtual e me foquei a full no trabalho, senti que o pouco tempo que dedicava a este cantinho passaria a nulo e isso não só me deixava num stress, como a culpa que carregava às costas me deixava na incapacidade de escrever. Eu queria, mas não conseguia, as crenças que me limitavam eram muitas e difíceis de enumerar, cheguei a desabafar com amigas que me diziam para não apagar, que a minha visão seria sempre a minha visão e que, por isso, seria sempre diferente de qualquer outra pessoa, mas eu sentia-me sozinha, sentia que escrevia apenas para mim e que me falhara.

Estava entre a construção da minha página profissional e esta quando me passou pela cabeça a ideia de apagá-la, a minha decisão estava praticamente tomada quando, no e-mail do blogue, recebo uma mensagem.

Foi no dia 3 de Julho do ano passado, eu estava a trabalhar de janelas abertas e estava um sol lindo, lembro-me disto porque esta mensagem me mudou. Li-a em lágrimas e, enquanto ligava ao André, a contar-lhe tudo o que acontecera, pelo meio dos soluços, entrou uma borboleta branca pela minha casa adentro, pousou junto a mim e voou de novo. Eu estava com muitas dúvidas, sei hoje que não se tratava apenas do blogue, eram muitas as transformações, era a pele que estava a cair, era eu que já não sabia bem quem era.

A mensagem da Patrícia, que me escrevia de Hamburgo, e que não me conhecia de lado nenhum, chegou-me como um abraço apertado, um colo. Era uma carta de amor, daquelas que nos dizem “eu estou aqui, obrigada por estares aí também” e terminava com “Continua a partilhar esta tua forma de ver e viver a vida.” .

E foi ela, foi ela que me dissipou as nuvens, foi ela o sol daquele dia de Verão, a borboleta, e foi também ela que me sacudiu a culpa dos ombros e que me trouxe de novo à escrita. A escrita é o que me salva dos dias, e por isso, a mensagem da Patrícia foi tão importante.

Ficámos em contacto desde então e, hoje, tomámos um chá virtual. Acabámos de desligar e eu não paro de pensar no poder que um coração, que as palavras, têm na vida do outro. Na importância do amor, da gentileza, da empatia. E esta ideia de que somos muito mais do que aquilo que imaginamos, e que temos muito mais capacidades do que aquelas que pensamos. Para o bem, e para o mal. E caramba, quando usamos isto para o bem podemos mesmo mudar a vida de alguém. Ela mudou a minha. E agora fiquei só aqui, sentada no sofá, a sentir que nunca serei capaz de lhe agradecer as palavras que me escreveu naquele dia.


Feliz Alban Arthan / Yule!

Na noite mais longa do ano, celebramos Alban Arthan - da tradição druídica, “Light of Winter” -, o regresso da luz, o renascimento do Sol que trará com ele a luz e a vida à terra. O fim da escuridão. Se há ano em que mais precisamos do retorno desta luz, é este.

É tempo de renovação, de deixar o passado para trás e de saudar o novo. Tempo de Morte e de Renascimento, de largar, na escuridão, tudo aquilo que carregamos e que representa tudo o que não nos permite avançar. O que é verdadeiramente nosso e o que é de outros? O que é preciso largar?

E, na luz, trazer ao de cima, como uma semente que brota por debaixo da neve, a verdadeira essência. Honra o que morreu em ti, o que doeu e te fez crescer, devolve à terra. Traz luz ao que tens dentro

Em Alban Arthan a casa é decorada com visco e azevinho, plantas perenes - no geral - como os abetos, pinheiros etc. O verde das plantas simboliza a promessa de renovação e novo crescimento. Relembrando-nos que a Primavera já espreita e que, em breve, retornará à terra. Na tradição Irlandesa, as casas são decoradas com plantas para trazer um lugar de conforto e descanso, do frio e da escuridão, aos espíritos da Natureza. 

O Tronco de Yule faz parte das celebrações mais tradicionais do Solstício de Inverno, é queimado na lareira principal da casa, e deve vir da própria terra ou como um presente, não deve ser comprado. Tradicionalmente, deverá ser aceso com um pedaço do restante tronco de Yule do ano anterior, simbolizando a luz que é passada de um ano para o outro. O tronco de Yule deverá queimar lentamente por 12 dias, na lareira, antes de se apagar. As cinzas deverão ser guardadas e, na primavera, misturadas com as sementes e levadas para o campo. Como o poder do Sol, simbolizado no tronco de Yule e distribuído pela terra. O que sobra deverá ser guardado até ao próximo ano, para acender o novo tronco. O nosso tronco de Natal, em formato de bolo, é ainda símbolo desta tradição antiga. 

O meu altar ainda não está pronto. Confesso que, por estes dias, tenho andado mais desligada, mas está tudo bem, comemorar a roda do ano é um lembrete para nos trazer de volta à natureza, a nós mesmos, a quem veio antes de nós, mesmo no meio dos dias que correm - especialmente nesses. É por isso que gosto de marcar cada um destes dias. Parar, a cada um deles, para me relembrar daquilo de que sou feita, para fazer balanços, para semear intenções e sonhos. Para honrar a terra que piso e o que ela me traz.

Se não tens por costume o celebrar da roda do ano, que este ano, ao te sentares na mesa de Natal, possas meditar sobre a origem do tronco de Natal e de como chegou à tua mesa.

Percebe como a luz retorna sempre, ano após ano, e que não há escuridão que perdure.

 

We open our hearts to joy, optimism and goodwill – the brightest lights in the darkest night – warming our souls next to the sustaining heat of those we love; sharing our gifts, our laughter and our time, knowing the season of darkness shall slowly fade, that the Goddess shall birth new life from death; warmth from cold.”

- Maria Ede-Weaving

Photo by Annie Spratt on Unsplash

Como peças de um puzzle.

Ontem, enquanto trocava mensagens com um amigo - que não abraço há mais de 10 anos -, dei por mim a pensar: “quanto dos outros são ecos em nós?"

Sempre que se dá um encontro, há uma partilha. Nunca saímos dos braços de alguém como entrámos.

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Dele, trouxe um amplo conhecimento em séries e livros de ficção científica. Trouxe o Enki Bilal, uma mão cheia de artistas que nunca ouvira, a memória de um nariz franzido e os seus abraços apertados. Não nos vemos há 10 anos, mas quase podia jurar que foi ontem, porque consigo resgatar em mim cada pedaço que ele deixou.

Somos todos o puzzle e as peças de outros. Não ando só, carrego em mim todos quanto cruzei e todos cuja vida permanece em mim, por linhagem. A vida acontece, partimos ou ficamos, mas pelo meio a certeza de que somos a soma de quem connosco se cruzou.

Em jeito de gatilho de escrita, diz-me, “quanto de outros são ecos em ti?”