Não vivo devagar...

Tell me, what is it you plan to do with your one wild and precious life?
— Mary Oliver

Não vivo devagar se em vez de estar a viver o momento, estou a fotografá-lo.
Não vivo devagar se almoço a pensar no que há para fazer à tarde.
Não vivo devagar se agarro no telemóvel para ver as horas e 20min depois ainda estou agarrada a ele a correr o feed do facebook.
Não vivo devagar se coloco o telemóvel em cima da mesa enquanto janto com amigos.
Não vivo devagar se opto por levar o carro em vez de ir a pé.
Não vivo devagar quando à pergunta “o que vamos fazer?” respondo “qualquer coisa”.
Não vivo devagar se o reflexo do espelho tem mais importância do que um elogio.
Não vivo devagar quando as opiniões dos outros me prostram.
Não vivo devagar, nem vivo… quando vivemos presos nesta roda de hamster construída por nós e acreditamos ser livres.

E vocês, estão realmente a viver?

Manéis.

 
Wear your heart on your skin in this life.
— Sylvia Plath

Adoro acordar cedo aos domingos, talvez porque me saiba sempre a infância, aos dias sem pressas. Levanto-me e abro as janelas de par em par, deixo o sol entrar. Estendo a roupa e preparo um pequeno-almoço vagaroso. Gosto de cozinhar aos domingos, a falta de horários dá-me espaço para aproveitar cada momento. É quando faço panquecas e um bolo, ou quando encho a mesa de petiscos para irmos depenicando durante o dia.

20190331_161128.jpg

Gosto mesmo de domingos, domingos vagarosos, destes sem horas em que posso passar que tempos a olhar os gatos, a vê-los ser gatos, a aprender-lhes a lentidão dos gestos, a presença total. Isto de viver devagar tem muito que se lhe diga, se há dias em que me vou lembrando de estar presente, outros há em que as tarefas se atropelam e, quando dou pelo dia, já era. É então, aos domingos, que aprendo este ofício de ser e estar presente em tudo o que faço. Rego as plantas e retiro as folhas soltas, cuido a casa, leio, ou escrevo, mas deixo sempre espaço para o nada, esse vazio tão cheio de presente. É quando me sinto mais viva.

Hoje tem sido assim, a casa cheia desta luz dourada, o cheiro da roupa lavada que entra pelas janelas abertas e os gatos que vão dormitando aqui e ali. Foi por isso que escolhi este dia para honrar uma memória muito querida da minha mãe: fazer “Manéis”. Os “Manéis” eram uns bolinhos que a minha mãe fazia, numas forminhas muito antigas de folha de flandres, para o meu avô, que se chamava Manuel e era um guloso.

A semana passada, quando fui visitar os meus pais, encontrei as forminhas - “QUE LINDAS!!!” - exclamei, desgastadas pelo tempo e pelo uso mas tão lindas quanto a sua história, imaginem. “O quê?” - respondeu a minha mãe, que me ouvira da sala. “ISTO” - mostrava-lhe eu, carregando as 12 forminhas como a um tesouro. Ela sorriu - “São as forminhas dos Manéis, os bolinhos que eu fazia para o teu avô e que ele adorava. Chamam-se Manéis por causa dele. Leva-as, quando casei levei-as comigo, agora são tuas junto com a receita”. E eu, que uso o coração na pele, emocionei-me, está claro, não fosse eu, eu.

Bem cedo, enquanto o resto da casa ainda dormia, levantei-me e fui fazer “Manéis”, não poderia ser num outro dia qualquer, tinha de ser assim, neste domingo vagaroso de sol, numa mesa cheia de um pequeno-almoço sem pressas, com o André e o nosso sobrinho Gui, que nunca conheceram o meu avô mas que levarão dele o sorriso malandro, as flores, os gatos, a calma, as mãos nas bochechas ao topo da mesa e os “Manéis”, que é parte do que guardo em mim deste ser especial que foi o meu avô.