É urgente o amor.


É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.
— Eugénio de Andrade

 

      Caminhávamos lado a lado, junto ao mar. A manhã estava muito fria e levávamos as mãos nos bolsos, enquanto conversávamos. Quem nos visse de longe diria que éramos um casal, não pelos corações - revoltos, como o mar, naquele dia -, mas pela forma como nos olhávamos, como os corpos se tocavam inconscientemente e como nos ríamos. Principalmente isso: como nos ríamos debaixo da chuva.

      Um olhar mais atento talvez escrevesse sobre nós, poderia dizer que nos havíamos apaixonado há 5 anos atrás, ou que celebrávamos um primeiro ano de vida conjunta. Ou poderia ir mais fundo e ler-nos os olhos: descobrir que éramos urgência. Poderia escrever para nós a história que não fomos capazes de proclamar - e ficamos tão bem, lado a lado - poderia ver mais do que aquilo que dizemos um ao outro, ou poderia ler-nos o silêncio e descobrir que nos encontráramos pela primeira vez, que o coração se estilhaçava na incerteza de um reencontro e que nos entregámos na urgência de quem não pode permanecer.

 

Dizes que gostas de mim

Dizes que gostas de mim de uma forma
que não consigo deixar de corar;
que gostas de mim de um modo primário,
sem razão aparente e sem desculpas,
e que gostas de mim pois me desejas, 
pois sabes que eu também gosto de ti
e o monstro deste amor nos devora
a alma, a paciência e as maneiras.
É só pena que todas estas coisas
nos morram afogadas em silêncio.

 

Amalia Bautista
Estou Ausente,
Averno

Quando o homem entra na mulher.

Quando o homem
entra na mulher,
como a rebentação
batendo na costa,
uma e outra vez,
e a mulher abre a boca de prazer
e os seus dentes brilham
como o alfabeto,
Logos aparece ordenhando uma estrela,
e o homem
dentro da mulher
ata um nó,
de modo que nunca mais
possam voltar a separar-se
e a mulher
trepa a uma flor
e engole o seu pecíolo
e Logos aparece
e solta os seus rios.


Este homem,
esta mulher
com o seu duplo desejo
tentaram atravessar
a cortina de Deus
e conseguiram-no por um instante,
embora Deus
na Sua perversidade
desate o nó.

 

Anne Sexton
(tradução de Jorge Sousa Braga)