ajuda-me.
Eu só quero alguém entre mim e o escuro. Entre mim e a noite.
- Quer dizer que o amor é a procura de uma imagem.
- Não sei - disse Tom - o que amamos quando amamos alguém.
Levantou-se, encostou-se à porta da varanda, ficou a olhar para fora. Parecia muito magra, quase frágil, no vestido cinzento.
Tom aproximou-se, tocou-lhe ao de leve no ombro nu, sem que ela reagisse.
Ele murmurou:
- Eu só quero alguém entre mim e o escuro. Entre mim e a noite.
Ana Teresa Pereira*
Num Lugar Solitário,
Relógio d'Água
2012
(reedição)
Entre mim e a tempestade lá fora...
Sobre a Infância*
são muitos os sentimentos que me atravessam o coração quando me falas em infância. atravessam-no como quem faz uma ponte entre o hoje e o ontem. sempre vivi mais o passado que o presente e ainda hoje, à luz destes meus (quase) 27 anos, é erro recorrente.
tenho memórias guardadas em cantinhos especiais do coração, escondidas por portas secretas, - lembras-te? como aquelas com que sonhamos - sim, com esta idade, porque a criança que fomos ainda o é.
avanço devagarinho, voltada para dentro, assim como quem se vira do avesso, devagarinho, com esta calma que só os crescidos conseguem ter quando se trata de coisas valiosas. caminho por entre as memórias do tempo que já foi, com medo de lhes tocar, com medo que se desfaçam em poeira, afasto uma cortina de tule, branco, e ouço a madeira ranger sob os meus passos, páro, à minha frente, numa parede nua, passam filmes da minha infância. consigo vê-la de vestidinho vermelho com bolsinhos de corda, bege. tem uma malinha a condizer e os sapatos, novos, beijados de véspera. ela ainda não o sabe, mas é o dia mais importante da sua vida. estamos em 1988 e ela também ignora esse facto, tem 2 anos e 8 meses e parece uma menina crescida. lá dentro está um bébé, mas ainda não a deixam entrar, espera nas escadas, daquela maternidade velhinha. não sei se é dia 23, se 24, sei que lá dentro está o meu irmão, embora só a consiga ver a ela. lá dentro estão os meus pais, aqui está a minha vida. aqui começou a minha vida.
*texto a pedido de um amigo
recados que te escrevo #3
Se estás aí (ou aqui, não consigo ainda decifrá-lo), traz os caramelos e senta-te ao meu lado.
Aqui, assim, no topo da mesa como de sempre. Ouve-me de mãos nas bochechas enquanto te conto tudo o que me vai cá dentro. Vais sorrir. Hás-de olhar para mim e rir, daquele riso malandro que fazias sempre que achavas que mais ninguém ia saber o que eu e tu sabíamos.
É mais ou menos assim, se ouves o que te digo em silêncio agora que não te tenho aqui.
Anda, tenho muito que te contar, precisava mesmo que viesses, que apertasses a minha mão, ou então não, só que estivesses aqui, só que risses com esse teu riso malandro e me dissesses tudo sem dizer uma palavra.
p.s.: Traz o Tomáz.