«também sei que o amor é sinistro»

A água anda a uma velocidade branca, porém tu dizes: também sei que o amor é sinistro - e entretanto eu tomo drogas para celebrar um espaço louco, as redes amadurecem para a cerimónia ritual da pesca e os peixes amadurecem para a sua morte fervente - também vi as máquinas caminharem ao lado das colinas bêbedas, diz alguém devagar para não ser ouvido, de súbito há um lugar que foge pelas trevas dentro, mas de ti o que conheço é um lenço de grandes pétalas encostadas ao rosto, e o coração é minado pelo som das próprias pancadas, porém tu dizes: o amor é uma coisa silenciosa, e logo a tua voz cai no silêncio com a cauda enrolada, mas ainda se ouvem as canções do ocidente percorridas de anis e cantáridas, e mais abaixo as guitarras meditam a música, e a luz inclina-se para sermos redondos - oh silêncio: geometria absoluta - e o teu corpo pousa na delicadeza, é quando a beladona é uma flor que eu não conheço, e tu dizes: o amor é incorrigível como um sol de pé - então chega o tempo da transformação das imagens, e eu amo-te como o sal e a areia se deitam juntos, e nas terras do interior a ciência é esta: tuas ancas violentas, o teu cabelo frio.

Herberto Helder 

«é a história mais linda que conheço»


Conta-me outra vez, é tão bonita
que não me canso nunca de a ouvir.
Repete-me de novo, os dois da história
foram felizes até à morte,
ela não foi infiel, ele nem
se lembrou de a enganar. E não te esqueças,
apesar do tempo e dos problemas,
continuavam a beijar-se cada noite.
Conta-me mil vezes, por favor:
é a história mais linda que conheço.


Amalia Bautista 


via João César
obrigada!**