canção excêntrica

Ando à procura de espaço
para o desenho da vida.
Em números me embaraço
e perco sempre a medida.
Se penso encontrar saída,
em vez de abrir um compasso,
protejo-me num abraço
e gero uma despedida.

Se volto sôbre o meu passo,
é já distância perdida.

Meu coração, coisa de aço,
começa a achar um cansaço
esta procura de espaço
para o desenho da vida.
Já por exausta e descrida
não me animo a um breve traço:
- saudosa do que não faço,
- do que faço, arrependida.

Cecilia Meireles
Antologia Poética, Editora do Autor, 1963 

Ya no se encantarán mis ojos en tus ojos.

Já não se encantarão meus olhos nos teus olhos,
já não se acalmará junto a ti minha dor.

Mas para onde eu for levarei teu olhar
e para onde caminhes levarás minha dor.

Fui teu, foste minha. Que mais? Juntos fizemos
uma curva na estrada onde o amor passou.

Fui teu, foste minha. Serás do que te amar,
do que em teu horto corte o que só eu semeei.

Parto. Estou triste: mas eu estou sempre triste.
Deixo os teus braços. Não sei para onde vou.

... Do teu coração diz-me adeus uma criança.
E eu digo-lhe adeus.

Crespusculario (1920-1923), 5, Pablo Neruda 
Antologia, Relógio d'Água
1998