recados que te escrevo #4


«trinca-espinhas»,

não sabes a falta que nos fazes.
às vezes apetece-me gritar-te "porque raio nos deixaste aqui, sem ti?"
travo-me ainda antes de abrir a boca. envergonho-me. como poderia gritar-te? a ti?
foi injusto. foi injusto para nós, tu estavas pronto. não querias, mas estavas pronto.

e foste, abriste a porta e foste. e lembro-me de cada instante desse dia. e da dor que ainda dói como se ainda. como se sempre, porque isto é dor que não sara nunca.

onde estás no meu amanhã? 
sinto (tanto) a falta de agarrar a tua mão, avô. 

tenho medo de te esquecer. de te lembrar apenas de fotografias, de vídeos antigos. 
tenho medo de esquecer o teu sorriso, a forma como nos olhavas, o teu andar. 
esquecer de como adoravas caramelos e rebuçados de fruta, de como nunca faltavam pacotes lá em casa, e como os ias buscar às escondidas quando sabias que não devias. Porque tudo o que nos restam são memórias... memórias que se atraiçoam com o correr do tempo. 


 

«existe uma rapariga...»


existe uma rapariga
que sorri como um farol
e guarda pacotes de açúcar
em gavetas do coração
e move-se por entre os livros
como um bando de pardais
na ganância das migalhas
e tem dois braços que partem 
da sua enorme alegria
em direcção ao mundo
e com eles celebra
a descoberta do sol
no amor com que se entrega
a quem se aproxima dela.

e apesar de toda a escuridão:
ela brilha.


Pedro Lúcio
Dezembro, 2008

Acabara de fazer 23 anos e foi a prenda mais bonita que me deram. 
Um poema escrito para mim, de um amigo livreiro que soube sempre acertar na mouche. 

rebobinar.

vejo agora, como quando rebobinava os desenhos animados vezes sem conta e os via sempre como se pela primeira vez... a minha mão que esperava (eternamente) a tua, era uma ilusão no meio de tantas em que vivia(mos). vejo agora: a mão que tenta agarrar a outra, não era senão a tua, que procurava a minha, que já lá não estava.

a cru.